Suécia e Brasil:
uma grande história
POR CHRISTER MANHUSEN, EX-EMBAIXADOR DA SUÉCIA NO BRASIL (1996–2002)
E EX-PRESIDENTE DA CÂMARA DE COMÉRCIO SUECO-BRASILEIRA (2002–2010).

Quando a notícia não inesperada, mas ainda muito triste, da morte de Pelé, a lenda brasileira do futebol — e meu amigo — chegou até mim, eu fiquei profundamente emocionado.

Nós nos conhecemos em 1996, quando eu, então o novo embaixador sueco no Brasil, fiz uma ligação de cortesia a Pelé, o Edson Arantes do Nascimento, que era o então ministro dos Esportes do presidente Fernando Henrique Cardoso. Eu e Pelé nos encontramos em muitas outras ocasiões e acabamos nos tornando bons amigos. Uma amizade que continuou após ele deixar o cargo.

Pelé me marcou fortemente, assim como a todos que o conheceram, não apenas por ser o maior jogador de futebol de todos os tempos — o único a vencer três copas do mundo —, mas também pelo seu carinho e carisma que irradiava. Depois de pendurar as chuteiras, Pelé se empenhou em ações de apoio à juventude brasileira, sempre com muito comprometimento e paixão.

Pelé sempre foi um grande amigo da Suécia. Aos 17 anos, ele ganhou a final da Copa do Mundo de

1958, no Estádio Råsunda, em Estocolmo. Foi um jogo inesquecível para os dois países: o Brasil venceu a Suécia por 5 a 2, com dois gols de Pelé. Menciono Pelé neste texto porque, em 2007, ele posou sorridente para a capa da então Brazil & Sweden, hoje NordicLight, a revista institucional da Swedcham, segurando uma bola azul e amarela, que eu achei numa loja de esportes no Rio de Janeiro. É uma foto para a eternidade!

Quando cheguei, em 1996, para chefiar a missão diplomática sueca no Brasil, um dos primeiros lugares que visitei foi a cidade de São Paulo, geralmente chamada pelos suecos de “a segunda maior cidade industrial da Suécia depois de Gotemburgo”. Naturalmente, fiz uma visita à Câmara de Comércio Sueco-Brasileira, o centro dos negócios suecos no Brasil. A Swedcham ficava na Rua Oscar Freire, onde está até hoje, uma das mais elegantes e badaladas ruas de São Paulo, do Brasil e da América Latina.

Naquele momento, a Câmara já tinha 40 anos, e alguns de seus pioneiros ainda a frequentavam. Eu gostaria de mencionar dois deles, em especial: Erik

Acima: Christer Manhusen (à direita) e o ex-Mi-
nistro da Fazenda, Mailson da Nobrega, durante
uma visita à Swedcham. Direita: Pelé na capa da
revista (hoje NordicLight) da Swedcham em 2006.

Svedelius e Per-Gunnar Kalborg, que, para além de suas bem sucedidas carreiras, foram fundamentais para a fundação da Câmara. Eles participaram ativamente das atividades da Swedcham, mesmo com uma idade avançada.

Para mim, foi uma experiência incrível poder escutar as suas histórias do tempo em que viveram no Brasil durante a Guerra, quando eles não podiam retornar para casa e apenas conseguiam se comunicar com suas famílias e suas matrizes esporadicamente.

Nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial, diversas empresas estrangeiras se estabele ceram no Brasil. As grandes multinacionais suecas, no entanto, já estavam por lá antes da Primeira Guerra Mundial. Hoje, muitos pequenos e médios empreendedores tentam a sorte no “país do futuro”, como o Brasil ficou conhecido em meados do século XX.

Atualmente, há mais de 70 mil pessoas empregadas por empresas suecas no país. Todas essas empresas buscaram e receberam apoio da Câmara no complicado processo de abrir um negócio no Brasil.

O know-how e os contatos que a Swedcham pôde oferecer em várias áreas da burocracia são ganhos inigualáveis.

Durante os 20 anos nos quais eu estive envolvido na Câmara de Comércio, pude fazer parte das suas operações de crescimento, resultado de uma maior demanda pelos seus serviços. Às vezes, o crescimento observado era tanto que os escritórios precisavam se ajustar ao maior fluxo de trabalho.

Esses investimentos foram possíveis devido ao fato de que a Câmara sempre esteve sob sólidos alicerces financeiros. As finanças em dia sempre foram um farol para nos orientar.

Há diversos projetos aos quais a Câmara de Comércio prestou assistência. Recordo-me bem das longas e tensas negociações envolvendo a venda do caça Gripen. Durante meus seis anos na Embaixada, o acordo do Gripen foi um projeto em que dei o meu máximo para que desse certo, sempre bastante entusiasmado com esse trabalho. Foi um tempo de difíceis negociações, complexidades da política e competidores agressivos, mas, no fim, a Suécia


conseguiu garantir seu maior acordo industrial em muitos anos. Até o momento, o contrato inclui 36 caças — o resultado de uma fantástica colaboração entre governo, indústria e demais autoridades. Nesse exemplo, novamente a Swedcham desempenhou um papel importante. Recentemente, o comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) expressou o interesse em mais 30 caças Gripen.

Por muitos anos, a Swedcham manteve uma excelente cooperação com o então Conselho de Exportações de Estocolmo (hoje Business Sweden).

Mas, quando o Conselho decidiu abrir escritórios ao redor do mundo, incluindo em São Paulo, minha diretoria e eu ficamos bastante preocupados: a mudança traria um impacto financeiro para nós. Como a Swedcham iria sobreviver?

Na diretoria, o ceticismo foi opinião vencida, e decidimos investir nosso capital aliado à nossa energia e convicção. A Swedcham não somente sobreviveu, mas floresceu!

Eu vejo que o Team Sweden — Swedcham, Business Sweden, Embaixada e Consulado-Geral — trabalha de forma harmoniosa, unindo forças em busca de um objetivo: apoiar o empreendedorismo sueco no Brasil.

Quando a Rainha Silvia fundou a World Childhood Foundation no Brasil, 25 anos atrás, a Swedcham se tornou um membro. E, desde então, vem se envolvendo ativamente nas atividades da Childhood Brasil no combate à exploração sexual de menores.

Sinto-me honrado porque a Rainha Silvia foi o primeiro — e o único — membro honorário da Swedcham, a única câmara de comércio que tem uma rainha entre os seus membros.

Foi em uma reunião da diretoria que o meu vice-presidente, Börje Jerner, teve essa ideia genial, que foi apoiada pela diretoria. Fiquei encarrega

do de conversar com a Rainha. E, pouco depois, em uma reunião com o Rei e a Rainha no Castelo de Drottningholm, em Estocolmo, eu recebi um belo retrato da Rainha, que hoje está exposto na Swedcham.

Quando o lendário Erik Svedelius e eu nos conhecemos, ele tinha 87 anos, e eu, 55. A diferença de idade, no entanto, não impediu que nos tornássemos bons amigos.

Por muitos anos, visitei Erik várias vezes durante a semana. Quando ele faleceu, logo após completar seu 100º aniversário, eu, de maneira totalmente ines perada, recebi uma herança. Rapidamente relatei a informação à diretoria, que recebeu a notícia com preocupação. Teria eu, um oficial do governo sueco, enganado aquele senhor?

Todos ficaram aliviados quando coloquei a herança que Erik havia me deixado sobre a mesa: um suporte de charutos feito de prata, que doei para a Câmara; e quatro gravatas de seda da Hermès — as quais eu não doei, e ainda permanecem em destaque entre as minhas gravatas.

Em 2013, quando o histórico Estádio Råsunda estava para ser demolido, 55 anos depois da final de Copa, uma proposta foi feita durante uma reunião da diretoria: a Swedcham deveria contribuir em vários aspectos em prol de uma celebração da final de 1958. Quando perguntei à Câmara por que deveríamos celebrar uma derrota da
Suécia, um clima de desânimo recaiu
sobre aquela sala.

Devo admitir que meu ceticismo
foi vencido. O Råsunda recebeu
uma bela festa um dia antes de
sua demolição, com um jogo entre

A Swedcham está localizada na Rua Oscar Freire, em São
Paulo, a oitava rua mais luxuosa do mundo e a segunda das
Américas, atrás somente da 5ª Avenida, em Nova York.

Esquerda: Erik Svedelius, conhecido
por muitos como “Mr. Sweden
in Brazil”, pela vida dedicada ao
trabalho no país, veleja junto ao
seu irmão Lennart.


Direita: Em 2010, Nils Grafström
(esquerda) assume a presidência da
Swedcham, sucedendo Manhusen.

Brasil e Suécia, com a participação de jogadores de ambos os times de 1958.

Pelé deu o pontapé inicial, para a alegria de todos no estágio. O Brasil também venceu dessa vez. Assisti ao jogo no camarote, ao lado da Rainha. Foi um momento muito especial.

É claro que há muitas outras histórias que eu gostaria de mencionar. Mas dizem que, quando ninguém é lembrado, ninguém pode ser esquecido. Mesmo assim, abro uma exceção: Nils Grafström, diretor da Stora Enso na América Latina, e meu sucessor na presidência. Nós nos inspirávamos,

sempre tentando reforçar o papel da Câmara como pilar dos negócios suecos no Brasil.

O que me resta, no 70º aniversário da Swedcham, é calorosamente parabenizar a Câmara e desejar contínuo sucesso aos meus velhos amigos Sergio Quiroga e Jonas Lindström, o presidente e o diretor executivo da instituição, respectivamente.

Pessoalmente, gostaria de expressar minha profunda gratidão a todos que, junto comigo, dedicaram seu tempo e esforço à Câmara de Comércio Sueco-Brasileira em São Paulo.